Artimanha da Casa Branca força por revisão do acordo com Irã

por Solange Reis

Mesmo reconhecendo que não houve violação por parte do Irã, o governo Trump decidiu retirar o aval ao pacto nuclear iraniano na sexta-feira (13).

A razão alegada são supostas “atividades desestabilizadoras”, a “opressão ao próprio povo” e o “apoio direto” ao terrorismo pelo Irã.

O presidente também considera que a essência do acordo – suspender as sanções internacionais e limitar o programa nuclear – não trouxe benefício para a segurança nacional dos Estados Unidos.

Sem a certificação pelo Executivo, o Congresso poderá aplicar sanções comerciais e financeiras, o que na prática significa anular o pacto.

Trump mira o Irã, mas antes atinge a credibilidade diplomática dos Estados Unidos e as reduzidas chances de estabilidade no Oriente Médio.

Acordo histórico

Em 2015, os membros permanentes do Conselho de Segurança (CS) da ONU, a Alemanha e a União Europeia assinaram um compromisso histórico com o Irã. Em troca de limitar seu programa nuclear, o Irã teve suspensas as sanções comerciais e financeiras impostas contra si durante anos.

Entre outras exigências, o Joint Comprehensive Act Plan of Action (JCPOA), implicou redução significativa do estoque de urânio, diminuição do número de centrífugas e remodelagem de reatores.

O Irã também assinou o Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que garante monitoramento irrestrito das instalações por inspetores do órgão.

Em troca, o país teve acesso a mais de US$ 100 bilhões de ativos congelados no exterior, voltou a negociar petróleo no mercado internacional e foi reinserido no sistema financeiro global.

Tais ações visam a manter o programa civil, mas impedir a capacidade técnica e operacional para desenvolvimento de bomba nuclear.

O Irã nunca admitiu a pretensão de adquirir poder nuclear militar, tendo o país aderido ao Tratado de Não Proliferação em 1968. Na realidade, o desenvolvimento nuclear civil começou onze anos antes, com a cooperação dos Estados Unidos no programa Átomos para a Paz.

Essa parceria foi interrompida com a Revolução Iraniana de 1979, a partir da qual os Estados Unidos começaram um processo gradual de alienação do Irã.

A estratégia alterou a balança de poder no Oriente Médio, favorecendo Arábia Saudita e Israel (e o Iraque de Saddam Hussein), e potencializou as tensões regionais.

Por ajudar na distensão, o pacto de 2015 é considerado – junto com a reaproximação dos Estados Unidos de Cuba – o grande marco de política externa do governo Obama.

Espelhou também uma nova fase da política iraniana, com menos força para os dirigentes linha-dura. Negociado pelo presidente Hassan Rouhani, um diplomata entendedor da questão nuclear, o acordo facilita a “normalização” das relações externas e da economia do Irã.

Caso o país viole algum termo do documento, as sanções dos Estados Unidos, ONU e UE serão reativadas. O inverso também é verdadeiro.

Vozes contrárias

Embora visto como uma vitória da diplomacia internacional, o pacto não é unanimidade.

Israel o considerou um erro histórico. No sábado (13), o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, parabenizou Trump pela coragem de enfrentar um “regime terrorista”.

Outro grande aliado dos Estados Unidos, a Arábia Saudita sempre apontou falhas na negociação. No último fim de semana, o país saudou a iniciativa do republicano.

Em geral, os críticos alegam que um arranjo com validade de 15 anos não impede o Irã de se tornar uma potência nuclear no futuro. Ao contrário, o alívio nas sanções facilita a recuperação econômica, que é instrumental para a consolidação do programa nuclear no longo prazo.

No fundo, o que está em questão não é a paz regional ou a segurança internacional, mas a disputa por poder no Oriente Médio.

Ao constranger o Irã, mas permitir que Israel tenha armas nucleares não declaradas, o Ocidente se posiciona de forma ambígua. Condenar o Irã e fechar os olhos para as ligações das elites sauditas com redes terroristas internacionais é hipocrisia.

Para entender as contradições da política internacional nesse aspecto é preciso ampliar o foco para muitas questões. Uma delas é a política doméstica dos Estados Unidos.

Críticos domésticos

Barack Obama sabia que as negociações do P5+1 (cinco membros do CS e a Alemanha) com o Irã não poderia resultar em um tratado, que seria rejeitado no Senado. Essa foi a principal razão para fechá-lo como um simples acordo.

Muitos políticos conservadores nos Estados Unidos nunca aceitaram o JCPOA no seu conteúdo e formato. Além de dar legitimidade ao Irã, o instrumento neutraliza o poder do Legislativo.

Também pressionados por Israel e pela AIPAC (American-Israel Public Affairs Committee), maior lobby judaico nos Estados Unidos, cacifes republicanos conseguiram introduzir uma legislação que permitiu uma margem de ação mínima ao Congresso.

De acordo com o Iran Nuclear Agreement Review Act (INARA) de 2015, o Departamento de Estado é obrigado a certificar o pacto a cada 90 dias. Significa atestar que o Irã cumpre as cláusulas acordadas. Caso não o faça, o Congresso tem direito de restabelecer as sanções.

Trump nunca escondeu sua crítica ao acordo, o qual julgava “um dos piores”. Desde que assumiu a presidência, no entanto, o certificou por duas vezes. Em ambas as ocasiões, prevaleceu a opinião do secretário de Estado, Rex Tillerson, e do secretário de Defesa, James Mattis.

Na terceira vez, a voz mais alta foi a de Nikki Haley, embaixadora na ONU. Desde a certificação de julho, Haley prometeu apresentar as justificativas para mostrar que o Irã descumpre o trato.

Não o fez. Mas esse é apenas um detalhe quando a distorção dos fatos se torna o guia político de um governo.  

A falta de aval do Executivo não obriga o Congresso a retomar as sanções. Agora, o órgão terá 60 dias para analisar e decidir por um de três caminhos.

O primeiro é validar o acordo e esperar que o Departamento de Estado volte a certificá-lo em três meses. O segundo é aplicar as sanções e lançar o pacto num limbo diplomático e político, cujo desfecho será a sua provável anulação.

Uma terceira opção, a preferida do governo, é forçar o Congresso a aprovar novos gatilhos para sanções. Considerando que os republicanos dominam o Congresso, há chance para tal alternativa. Existem dificuldades também, como a resistência dos democratas e da opinião pública, que mostram-se mais favoráveis ao acordo.

A Casa Branca não espera grandes mudanças. Qualquer alteração que ajude Trump a parecer mais coerente com sua campanha eleitoral já será suficiente.

Submeter o Irã também ajuda a agradar a Israel e ao lobby judaico, a muitos dos doadores eleitorais de Trump e à liderança republicana.

O outro lado da equação

Tillerson, cujo cargo anda por um fio frente à ascensão de Haley, disse esperar que os aliados europeus apoiem a revisão do acordo. Por enquanto, essa é mais uma frase descolada da realidade.

Lideranças europeias não apenas discordam da atitude norte-americana, como dizem que o pacto continuará mesmo sem os Estados Unidos. Argumentam também que Washington perde credibilidade e prejudica os esforços para paz.

A atitude dos Estados Unidos não contribui, por exemplo, para a crise atual na Ásia-Pacífico. Quais garantias teria a Coreia do Norte em negociar o congelamento ou mesmo a redução de seu arsenal nuclear se o outro lado tem um histórico de quebra de palavra?

Num recado indireto à Casa Branca, Vladimir Putin declarou que não cabe à Rússia dizer se o Irã cumpre ou não com os seus compromissos. Esse papel é da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), lembrou Putin. Segundo a AIEA, o Irã tem seguido os termos do acordo.

Quanto ao Irã, principal interessado na história, a posição é a de manter o compromisso mesmo com a decisão unilateral dos Estados Unidos. De acordo com o presidente Rouhani, pelo menos enquanto os demais signatários honrarem a palavra.

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