Sem doutrina, Trump flerta com a diplomacia do homem louco

Os Estados Unidos estão negociando com a Coreia do Norte. Essa foi a afirmação do secretário de Estado, Rex Tillerson, no último sábado (30). Dois ou três canais de comunicação seriam usados para esfriar a situação que ele considera excessivamente quente.

Menos de 24 horas depois, Donald Trump menosprezou o otimismo do secretário. Por meio de mais um tweet, o presidente disse que Tillerson perde tempo tentando negociar com o “homenzinho-foguete” (referência ao líder norte-coreano Kim Jong-un). “Faremos o que precisa ser feito”, garantiu.

Não é a primeira vez que Trump contradiz publicamente o secretário. A atitude indicaria disfuncionalidade no seu governo, ou que os dias de Tillerson no cargo estão para acabar.

Outra possibilidade é que esse tipo de desautorização seja parte de uma estratégia para criar incerteza e maximizar ganhos nas negociações. Trump estaria inspirando-se em Richard Nixon ao usar o que se convencionou chamar de diplomacia do homem louco.

“Madman diplomacy”

A crise recente da Coreia do Norte faz retornar a leitura da política internacional sob a “teoria do homem louco”.  Aplica-se perfeitamente a Kim Jong-un, embora diga cada dia mais sobre Trump.

O “homem louco” é um estilo de diplomacia no qual racional é parecer irracional. Esse tipo de estratégia trabalha com o improvável e o impensável. Implica gestos que tocam o limite do risco máximo para dissuadir opositores.

A diplomacia do homem louco foi usada ao longo da história e, nos Estados Unidos, por Richard Nixon. Orientado por seu então conselheiro de segurança nacional, Henry Kissinger – estudioso da Teoria dos jogos – Nixon a aplicou para confundir inimigos externos. A estratégia era indicar que na Sala Oval sentava-se alguém errático e irracional, capaz de atitudes inesperadas.

Para citar um exemplo, em 1969, Nixou buscava para os Estados Unidos uma saída honrosa da Guerra do Vietnã. O problema é que o governo vietnamita não cedia, mantendo a grande potência ocidental num conflito militar interminável.

Nixon achava que só a União Soviética convenceria os vietnamitas do contrário. Antes, porém, era preciso fazer Moscou acreditar que Washington levaria as ações às últimas consequências. Em outras palavras, Nixon precisava mostrar-se um líder imprevisível e incontrolável, a ponto de desencadear um conflito nuclear. Louco, essencialmente.

No mês de outubro daquele ano, o presidente ordenou que uma frota de aviões B-52 carregados com bombas nucleares sobrevoasse o Polo Ártico. Os bombardeiros voaram por 18 horas ininterruptas, com as armas apontadas para a União Soviética. Reduziram a velocidade (500 milhas/h) apenas para uma perigosa operação de reabastecimento aéreo na costa do Canadá.

O gesto não foi capaz de alterar o quadro geral e a guerra continuou até 1975, terminando com o que foi considerado por muitos historiadores como a maior derrota militar dos Estados Unidos.

Ensaios da loucura

Sem a coragem de Nixon para testar os limites do inaceitável – um gesto militar decisivo – o presidente arrasta a situação atribuindo, respectivamente, a Tillerson e a si mesmo os papéis de bom policial e mau policial.

Ridicularizar as iniciativas diplomáticas de sua equipe mostra o quão disfuncional pode ser a atual administração, mas não garante ao presidente um lugar na galeria dos desvairados.

Trump rompe o protocolo quando simplifica e radicaliza a linguagem, mas para convencer pela irracionalidade é necessário mais coragem do que o republicano tem mostrado até agora.

No caso da Coreia do Norte, o que o presidente fez foram ensaios de “madman diplomacy”, cujo alvo principal é a China. No tabuleiro geopolítico da Ásia, a China equivale hoje ao que a União Soviética foi durante a Guerra Fria. Misto de problema e solução para uma situação que os Estados Unidos não conseguem resolver sozinhos.

O recado também vai para a Coreia do Sul, que flerta com a reaproximação pacífica com o vizinho ao norte e, eventualmente, resiste ao aumento da já exuberante presença militar dos Estados Unidos em seu território.

Mira também o próprio regime norte-coreano, num processo de retroalimentação da crise.

Todavia, não houve um gesto militar assertivo que gerasse temor e mudasse o cálculo dos países envolvidos.

É possível que as bravatas atendam mais aos interesses comerciais dos Estados Unidos. Em troca de segurança, exigir a revisão do acordo de livre comércio com a Coreia do Sul. Em lugar de intervir na Coreia do Norte, obter da China concessões nos campos monetários e comerciais.

Para entender sua política externa, deve-se olhar menos para o Departamento de Estado e mais para o Departamento do Tesouro. Isso porque, enquanto a versão moderna dos B-52s de Nixon não chega na era Trump, a Casa Branca aperta o cerco financeiro aos amigos de Pyongyang.

Na semana passada, o Departamento do Tesouro anunciou sanções contra qualquer banco que transacione com a Coreia do Norte. O alvo são as instituições financeiras chinesas. Logo após o comunicado, o Bank of China – espécie de Banco Central – informou a interrupção das transações com a Coreia do Norte.

Congressistas em Washington acham pouco e pedem punição para as empresas chinesas, decisão que Trump reluta em tomar.

É provável que o governo leve a situação em banho-maria até pelo menos novembro, quando Trump fará sua primeira viagem à Ásia, quando visitará Japão, China, Coreia do Sul, Vietnã e Filipinas.

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