Trump começa a enfrentar problemas no Congresso

Desde a posse, há dois meses, o governo de Donald Trump tem sido marcado por polêmicas e turbulências. Os últimos dez dias talvez tenham sido os  mais difíceis até o momento. Logo no início da semana passada, dia 20 de março, o diretor do FBI, James Comey, e o Diretor da NSA, Michael S. Rogers, foram ouvidos em uma audiência da Comissão de Inteligência da Câmara sobre o papel dos hackers russos nas eleições presidenciais. Na ocasião, Comey confirmou que o FBI investiga supostas relações entre o governo russo e funcionários de campanha de Trump. Também declarou que a participação russa serviu para prejudicar a campanha de Hillary.

Investigações tensionam o Congresso

As investigações sobre a relação entre hackers russos e as eleições norte-americanas se iniciaram, no dia 25 de janeiro, no âmbito do Comitê de Inteligência da Câmara de forma bipartidária, com o aval dos deputados Devin Nunes (R-CA), presidente do comitê e ex-membro da equipe eleitoral de Trump, e Adam Schiff (D-CA), líder democrata.  No dia 4 de março, a questão ganhou proporção quando Trump afirmou no Twitter que Barack Obama teria grampeado a sede de seu conglomerado empresarial, a Trump Tower, em Nova Iorque. A acusação, embora sem qualquer evidência, gerou desconforto, levando inclusive Sean Spicer, o secretário de imprensa da Casa Branca, a suavizar o imbróglio no dia 13 de março.

Dois dias depois, o próprio Nunes parecia estar convencido de que Trump havia se equivocado. Muito questionado, Spicer voltou a sustentar as alegações de Trump numa conferência de imprensa tensa, citando o envolvimento de espiões britânicos no caso. A acusação foi considerada ridícula pela Agência de Segurança Nacional Britânica. O assunto reapareceu, no dia 17 de março, na conferência de imprensa conjunta com Angela Merkel, com Trump afirmando que ambos tinham “algo em comum“, numa referência aos casos de espionagem de 2013 revelados pelo Wikileaks. Entretanto, em seu depoimento ao Congresso, alguns dias depois, Comey afirmou não existir qualquer fundamento que apoie as supostas denúncias feitas pelos tuítes de Trump.

Considerando este contexto, as declarações contundentes dos diretores do FBI e da NSA na audiência do dia 20 pareciam encerrar a questão. Entretanto, dois dias depois, Nunes afirmou ter tido acesso a alguns relatórios que provariam que os serviços de inteligência dos Estados Unidos haviam coletado acidentalmente informações de membros da equipe de campanha de Trump. A polêmica, que parecia sepultada com as declarações de Comey, ressurgiu. Trump declarou que se sentia respaldado em suas alegações com as novas descobertas de Nunes.

A atitude de Nunes gerou uma disputa dentro do Comitê de Inteligência da Câmara. Representantes do partido democrata passaram a questionar se Nunes estaria a obstruir as investigações de alto nível sobre os laços de Trump com a Rússia. Procedimentalmente, Nunes teria se precipitado ao procurar o presidente sem comunicar os outros membros do Comitê. A situação se agravou nesta segunda, dia 27, quando Nunes confirmou ter feito uma visita à Casa Branca para vasculhar os arquivos de inteligência, os mesmos que usou para fazer suas alegações. Os democratas reagiram, sob a liderança de Schiff, pedindo que Nunes seja colocado sob suspeição, uma vez que, no ímpeto de fazer valer as declarações de Trump, não teria respeitado os protocolos e a isenção necessária que o assunto exige. Schiff não está sozinho. Nancy Pelosi (D-CA), líder dos democratas na Câmara, e Chuck Schumer (D-NY), líder democrata no Senado, também exigem o afastamento de Nunes.

Embora Trump tenha usado as afirmações de Nunes para respaldar suas acusações contra Obama, estas ainda carecem de fundamento. Desde o ataque de 11/9, e depois com a aprovação do “Ato Patriota”, é sabido que existem softwares de inteligência monitorando cidadãos norte-americanos, principalmente aqueles que mantém algum contato com determinadas personalidades estrangeiras. Parte deste movimento levou ao escândalo do Wikileaks. Até o momento, as alegações de Nunes parecem se referir a procedimentos de rotina, além de não provarem que Obama colocou a empresa de Trump sob vigilância.

As trocas de acusações tendem a se intensificar nos próximos dias. São duas as possibilidades de solução para o impasse: a primeira, o possível afastamento de Nunes da liderança do Comitê; a segunda, a criação uma Comissão independente para investigar as relações entre a equipe de Trump e os russos.

Os questionamentos feitos pelas lideranças democratas apontam para diversas inconsistências no caso: Qual seria a necessidade de informar o presidente sobre documentos que aparentemente já são de posse da Casa Branca? Qual seria o interesse de Nunes de informar o presidente antes de recorrer aos próprios membros da Comissão?  Enquanto isso, todas as sessões do Comitê de Inteligência foram canceladas, incluindo a audiência do dia 28 de março, que contaria com os depoimentos de Sally Yates, ex-procuradora estadual demitida por Trump em janeiro por se recusar a fazer cumprir uma ordem executiva sobre imigração. No entendimento de Schiff, a Casa Branca contribuiu para a decisão de cancelamento da audiência para evitar que Yates deponha na Comissão e, com isso, provocar desgastes ainda maiores. Segundo o jornal The Washington Post, a Casa Branca chegou a informar a Yates que a maior parte de seu depoimento seria excluído da audiência devido à prerrogativas do poder executivo. A informação foi contestada pelo secretário de imprensa da  Casa Branca.
<h3target=”_blank”>Crise contribui para a piora da popularidade de Trump

Outro golpe para o governo foi a derrota política de Trump no projeto de reforma que substituiria o Obamacare, no último dia 24 de março. Depois de 7 anos prometendo acabar com o Obamacare, os republicanos não conseguiram votos suficientes dentro do próprio partido para mudar o modelo de saúde dos Estados Unidos, mesmo com adiamentos na votação e a participação de Trump nas negociações. É importante lembrar que os republicanos têm maioria no Congresso, de modo que bastariam os votos do próprio partido. Entretanto, membros da ala mais conservadora, principalmente aqueles ligados ao Freedom Caucus, bem como alguns moderados não garantiram os votos que o porta-voz da Câmara Paul Ryan (R-KY) precisava, fazendo com que a lei caísse por terra. Em resposta, Trump atribuiu a culpa da derrota aos democratas e afirmou que a melhor coisa que pode acontecer agora é “deixar o Obamacare implodir”.

Feitas as devidas ressalvas, Obama também teve relações conturbadas com o poder Legislativo, o que fomentou o uso de ordens executivas por parte do ex-presidente. Isso dá alguma margem de manobra a Trump, que pode reverter iniciativas de Obama sem depender do apoio legislativo. Exemplo disto foi a ordem executiva assinada no dia 28, que pôs fim à política de Obama para energia. Mas as investigações sobre os laços da equipe de Trump com a Rússia e o sinal cruzado emitido por parte de sua base aliada na questão da saúde deram o tom da relação entre os poderes Executivo e Legislativo nos últimos dias, e impõem desafios importantes à governabilidade de Trump.

por Filipe Mendonça e Débora Prado

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